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A Rescisão do contrato por atraso injustificado na entrega do imóvel

É cada vez mais crescente o número de queixas de consumidores insatisfeitos e frustrados com o deliberado descumprimento contratual de construtoras que atrasam injustificadamente a entrega de imóveis adquiridos na planta ou em fase de construção[1].

Nestes casos, é preciso tomar muito cuidado para não sair lesado, pois os contratos firmados com as construtoras apresentam natureza de contrato de adesão, ou seja, suas cláusulas são estabelecidas unilateralmente pela construtora, sem que haja possibilidade de se discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo no momento da celebração do contrato.

Por ser assim, a maioria desses contratos apresenta imposições desproporcionais, com estabelecimento de penalidades ao consumidor no caso de mora ou inadimplemento contratual e isenção do fornecedor em situações de análogo descumprimento contratual, o que causa desequilíbrio entre as partes. Muitos contratos nem sequer preveem a possibilidade de rescisão do contrato pelo comprador do imóvel, em razão do descumprimento de obrigação pela construtora.

Neste contexto, é muito comum que as construtoras, quando procuradas pelo comprador do imóvel, recusem-se a aceitar que tenham dado causa à rescisão do contrato e obstaculizem a devolução dos valores até então pagos, sob o argumento de estarem em conformidade com o disposto em contrato.

Tais práticas, no entanto, mostram-se abusivas e são a razão principal para o aumento substancial do ingresso de ações envolvendo construtoras no Poder Judiciário.

Inicialmente, é importante que o consumidor saiba que as disposições firmadas em contrato não são absolutas e podem ser revisadas em juízo se apresentarem conteúdo abusivo e causarem desequilíbrio entre as partes contratuais. Trata-se de um direito garantido expressamente pelas normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor (CDC)[2].

E, seguindo o regramento trazido pela legislação consumerista, os tribunais e, sobretudo, o Superior Tribunal de Justiça, já solidificaram entendimento de que é abusiva e, portanto, nula a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra. 

Firmou-se, assim, orientação jurídica no sentido de que cabe à construtora devolver imediatamente, em uma só parcela, todo valor pago pelo consumidor até o momento da rescisão contratual.

No tocante às cláusulas contratuais que penalizam tão somente o consumidor em situações de inadimplemento ou mora das obrigações contratuais, também elas são consideradas abusivas, por ofensa direta aos princípios tutelados pelo direito consumerista, de igualdade e equilíbrio nas contratações entre consumidores e fornecedores.

Em situações como essas, tem sido amplamente imposta pelos tribunais pátrios a inversão das cláusulas penais contratuais em benefício também do consumidor, para que, então, seja possível estabelecer equilíbrio e harmonia no contrato debatido.

Nas palavras do ministro do Superior Tribunal de Justiça Luís Felipe Salomão, “prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda ao fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento”.[3]

Como é possível concluir, as construtoras são obrigadas a restituir imediatamente os valores pagos em caso de rescisão de contrato por atraso de imóvel, devendo também arcar com as multas por descumprimento de contrato, se houver cláusula contratual que as prevejam, ainda que estabelecidas apenas em benefício da construtora.

Em alguns casos, além dos prejuízos materiais causados aos consumidores, também pode se constatar a ocorrência de desgastes emocionais anormais, que transbordem a mera irritação pelo descumprimento do contrato, ocasionados por fatores peculiares relacionados ao caso concreto.

Pode-se elencar como exemplo, o caso de um casal que se planejou para adquirir o imóvel em período coincidente à celebração do matrimônio e que, por ocasião do atraso na entrega do imóvel, não dispunha de local para morar após o casamento, tendo que morar de aluguel ou de favor na casa de parentes.[4]

Situações como essa demonstram que o descumprimento do contrato pode levar o consumidor a experimentar danos emocionais que afetem deveras o seu dia a dia. Nestes casos, o consumidor poderá pleitear em juízo o direito de receber uma indenização financeira, como alento e tentativa de reparar, em parte, os danos emocionais que lhe foram causados.

A depender do caso e, sobretudo, se comprovadas as circunstâncias que permitiram ao consumidor enfrentar um desgaste emocional além do comum, os tribunais têm aceito com boa receptividade a possibilidade de se reparar os prejuízos psicológicos e condenar as construtoras ao pagamento de indenização por danos morais.

Desta forma, o direito tem buscado combater os excessos praticados pelas construtoras diante da fragilidade técnica e econômica do consumidor, mas é preciso que o consumidor esteja atento aos seus direitos, com vista a concretizá-los.

Referências

[1] De acordo com dados do Ibedec, 95% das obras no Brasil são entregues com atraso. (FONTE: Coordenadoria de Editoria e Imprensa  do STJ – Superior Tribunal de Justiça – Divulgado em 20/05/2013 – www.stj.jus.br)

[2] “ Art. 6º São direitos básicos do consumidor:[…]

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;”

[3] Trecho extraído de decisão exarada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em apreciação ao Recurso Especial n. 955134, julgado em 16/08/2010.

[4] Conferir julgado de caso semelhante: Apelação nº 0214170-04.2011.8.26.0100, 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relator Salles Rossi, julgado em 15/05/2013.

AUTORIA: NAJILA ABDALLAH JEHA